quinta-feira, 20 de março de 2014

LITERATURA DE CORDEL

COLEÇÃO LUZEIRO - LITERATURA DE CORDEL

O VELHO QUE ENGANOU O DIABO

Autor: José Antônio Torres (Zé Catolé)
Direção: Gregório Nicoló.
Texto reelaborado por: Manoel D'Almeida Filho.
Revisado e classificado por: José Rodrigues Seabra Filho.

Direitos adquiridos e registrados em 1993.

FICHANOME - O VELHO QUE ENGANOU O DIABO.
TEMA - Humorismo.
AUTOR - José Antônio Torres.
LOCAL - Sem indicação.               DATA - Sem indicação.
ESTROFES - 32 de sete versos (sestilhas) de sete silabas cada verso (versos setessílabos).
ESQUEMA DAS RIMAS - x a x a b b a (rima chamada aberta, porque o primeiro e o terceiro versos não rimam com nenhum outro).
FINAL - Estrofe normal.
BIOGRAFIA DO AUTOR - JOSÉ ANTÔNIO TORRES, poeta popular conhecido também como “Zé Catolé", teve seus livros publicados no Estado de Pernambuco. Escreveu: História de Três Caçadores e um Padre, História d'um Homem que Tinha Fé em Deus, Os Milagres de São Severino dos Ramos e O que Eu Herdei do Meu Defunto Avô. Não se têm mais informações sobre esse autor.








O VELHO QUE ENGANOU O DIABO
                                                                José Antônio Torres (Zé Catolé)

Havia numa cidade
Um homem já velho e pobre
Ele com muito desgosto
Por ser de família nobre
O nome dele era Brás
Porém com o Satanás
O velho arranjou um cobre.

O velho se maldizia
Por não poder trabalhar
Tinha um roçado pequeno
E não podia o tratar
Além de velho e cansado
Só trabalhava alugado
A vida era lastimar.

Ele dizia: - Ai meu Deus
Se algum dia eu alcançasse
Um descanso em minha vida
Que facilmente passasse
Sem trabalhar alugado
Tratando do meu roçado...
Ah se o bom Deus me ajudasse!

Um dia esse velho estava
Trabalhando no roçado
Quando foi chegando um negro
Do cabelo aguaribado
E disse pro velho assim:
- Esta sua vida é ruim
Vou lhe fazer melhorado

O velho lhe perguntou:
- O que você vai fazer?
O negro disse: - Meu velho
Eu vendo o seu padecer
Achei o senhor beócio
Mas vou fazer um negócio
A bem de lhe proteger.
Vim dar-lhe uma proteção
Que tenho força e vontade
De trabalhar pra você
Sério, sem haver maldade
Vim aqui lhe proteger
O meu intento é fazer
A sua felicidade.
Disse o velho: - Então explique
Esse negócio direito
Para eu ficar ciente
Se para mim terá jeito
Quando você explicar
Se não me prejudicar
Se me servir eu aceito.
Respondeu o negro assim:
- Meu pai sofre uma fraqueza
Sangue humano é o remédio
Se der o seu com certeza
Eu sou o seu camarada
Não lhe faltará mais nada
Se acaba a sua pobreza.

O velho disse consigo:
"Eu engano este ladrão
Já sei bem que ele é o Lúcifer
Porém não faço questão
Comigo ele se embaraça
Porque trabalha de graça
Pra mim inverno é verão".

Então disse: - Eu dou meu sangue
Pra você seu pai curar
Porém se você fizer
Tudo quanto eu lhe mandar
A você eu não iludo
Se não fizer perde tudo
Não tem a quem se queixar.

O negro disse: - Está feito
Eu já vi que a coisa vai
Vou trabalhar noite e dia
A sua pobreza sai
Por você me sacrifico
Depois de você bem rico
É que vou curar meu pai.

Quando não tiver mais nada
De serviço pra fazer
O senhor fura seu braço
E deixa o sangue correr
Eu lhe explico neste instante
Daquela hora por diante
Você vai me pertencer.

Disse o velho: - Muito bem
Vá me fazer um cercado
Com estacas de primeira
E com arame farpado
Um curral grande e bem feito
E só fico satisfeito
Ele completo de gado.

Disse o negro para o velho:
- Isso para mim é nada
Faço tudo num momento
Sem precisar de zoada
Cerco tudo sem vexame
Num dia cerco de arame
No outro boto a boiada.



O negro chegou à tarde
Mais preto do que carvão
Com o cabelo assanhado
Com uma foice na mão
Disse: - a cercado está feito
Pra tudo precisa jeito
Tem boi que só no sertão.

O velho disse pro negro:
- Você vá tirar o grude
Amanhã bem cedo venha
Pra me fazer um açude.
Lhe disse o negro: - Eu não rogo
Se é pra fazer faço logo
Que tenho muita saúde.

Disse o negro: - Aonde quer
Que o açude eu vá fazer?
Disse o velho: - No cercado
Para o meu gado beber.
O negro saiu danado
Sem dar parte de enfadado
Já perto de escurecer.

Chegou no dito lugar
Agarrou a ferramenta
Dava pancada no chão
Voava fogo da venta
Aquele negro infeliz
Inda tem gente que diz
Que aqui o Diabo não tenta.

Às quatro da madrugada
O negrão estava tonto
Mas tinha feito um açude
Que valia mais de um conto
Cedinho chegou dizendo:
- Meu sovaco está fedendo
Mas o açude está pronto.


Disse o velho: - Agora faça
Casas pra meus moradores
Faça cem casas modernas
Para residir doutores
E não quero casa ruim
Todas elas com jardim
Completo com todas flores.

O negro com oito dias
Já tinha feito uma praça
Casas modernas bem feitas
Todas elas com vidraça
O negro muito contente
Porém estava inocente
Que trabalhava de graça.



O negro disse pro velho:
- O sangue agora eu vim ver.
Do bolso puxou um frasco
Dizendo: - Este é pra encher.
Disse o velho: - É muito cedo
Parece que está com medo
Inda tem o que fazer.

Disse o negro: - Já fiz tudo
Que o senhor tem me mandado
Já fiz casas e jardins
Já fiz açude e cercado
Eu sofro de uma fadiga
Se tem mais serviço diga
Que sou um pouco apressado.


Disse o velho para o negro:
- Preste atenção bem a mim
Vá amolar sua foice
E roce aquele capim
Que tem dentro do cercado.
O negro ficou zangado
Achando a coisa bem ruim.


Porque no dito capim
Tinha uma cruz enfincada
A cruz lá já era antiga
E de capim rodeada
Por isso o velho sabia
Que o Diabo preto perdia
Por causa da cruz sagrada.

O negro saiu pisando
Bem na pontinha do dedo
Com o pescoço esticado
Todo assustado com medo
Disse quando viu a cruz
- Comigo esta não conduz
Aqui não está de brinquedo.

Chegou no dito terreno
Roçando o campo a redor
A foice do cabo grande
Não podia ser maior
Ele roçando e dizendo:
- Pelo jeito que estou vendo
Ali eu acho pior.


O negro voltou dizendo:
- O capim está cortado.
Disse o velho: - Roçou tudo?
Disse o negro: - Está roçado,
Só tem um restinho lá
Por causa do mangangá
Que tem no chão arranchado.

O velho foi reparar
Não quis mais ouvir proposta,
O negro ficou dizendo:
- Já vi que perdi a aposta
Deixei o capim todinho
Por isso sei que o velhinho
Vendo o serviço não gosta.

O velho disse: - Você
Deixou o capim inteiro
Se o sacrifício só é
Devido àquele cruzeiro
Por isso você estranha
Meu sangue você só ganha
Roçando o capim primeiro.

Nosso trato foi assim,
Eu quero o serviço feito.
Disse o negro: - Eu perco tudo,
Mas assim não me sujeito.
O negro tomou canudo
O velho ficou com tudo
Satã perdeu o direito.

O velho ficou vivendo
Em sua propriedade,
Satanás trabalhou tanto
Mas ficou só na vontade...
Fui eu que ganhei na festa,
Deus dê a quem contou esta...
Saúde e felicidade.


FIM

Nenhum comentário:

Postar um comentário